"PreconSSeito" Linguístico

Bem gente, quando a inspiração bate, não tem jeito. Essa semana estava trabalhando em sala de aula sobre as variedades linguísticas e propomos uma produção textual sobre o preconceito linguístico... Só de ver, falar e escutar tantas coisas a respeito, decidi ser solidária aos meus alunos e fiz minha própria produção... Pra variar, saiu uma crônica básica!


Só quem já passou pela vida escolar, sabe e pode reconhecer como as crianças e adolescentes conseguem ser cruéis uns com os outros... Todo gordinho, magrinho, baixinho, altinho... Enfim, estereótipos incomuns (ou comuns demais) sofreram e ainda sofrem na escola por serem tachados de "baleia", "palito", "quatro olhos", "CDF", "lombriga", "rolha", e por aí vai... No momento de criar um apelido, todas as energias se concentram em um mesmo canal, e a criatividade vai à mil... Impressionante!

Hoje esse preconceito é conhecido por "bulling", mas mesmo antes desse nome se tornar tão popular, o comportamento em si já existia. Junto nesse "pacote de crueldade" encontra-se também o preconceito linguístico, que mesmo não sendo tão reconhecido é igualmente injusto.

Na verdade, tudo começa muito sutilmente... Os olhares, as risadinhas, tudo soa tão ingênuo. Parece divertido escutar o amigo que veio do interior e puxa o R no final das palavras, ou o que vem de uma família mais simples e fala algumas coisas erradas... Até mesmo o que tem o sotaque alemão e solta vez em quando frases assim: "O caro coreu tanto que derubou a árvore"... As risadas são inevitáveis, mas o pior de tudo é que não para por aí.

Ser chamado de "burro", "caipira", "Chico Bento", "da roça", pode parecer engraçado pra muita gente, menos para aquele que recebe o "apelido". Divertir-se com a fala do outro vai além de uma simples brincadeira: É menosprezar as raízes de outrem.

Imagine aquele menino esperto, de olhinhos brilhantes e atentos a aprender tudo o que lhe vem pela frente: Sua maior inspiração são seus pais, seus avós... Todos esses seres fantásticos que sabem tantas coisas incríveis (mesmo não tendo frequentado a escola). Esse menino sempre escutou em casa falarem "pobrema", sem problema nenhum... Nunca seus pais ou avós deixaram de ser excepcionais por isso. Mas chega o (triste) momento desse menino ir para a escola... A empolgação é tanta: Tantas coisas a aprender, amigos a conhecer, um mundo a descobrir! Chegando na aula esse garoto se depara com tantos olhares, tantas risadas e apelidos grosseiros pelo seu modo de falar, que muitas vezes acaba acreditando que é "burro", e o pior... Que todos em sua casa o são! É muito triste essa realidade, mas existe.

Sabemos que o intelecto de uma pessoa não é medido pela sua forma de falar, de se expressar. José Saramago afirmou em uma de suas entrevistas que o homem mais sábio e inteligente que conheceu era analfabeto (se referindo ao seu avó, que era camponês). Então percebemos como é séria essa questão do preconceito linguístico.

É claro que não podemos fechar os olhos para a norma-padrão, seria ingênuo e imprudente. Mas deveríamos investir em uma cultura que promovesse cada vez mais o incentivo aos estudos e fosse cada vez mais desprovida de conceitos pré-determinados. Assim, todos poderiam valorizar suas raízes, reconhecer a importância de cada variedade linguística e ainda, ter acesso à "norma culta", tão necessária nesse mundo seletivo.

0 Comments: